Na semana em que se soleniza o Dia da
Consciência Negra, penso que os brasileiros têm poucos motivos para comemorar.
Isso porque, após recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, o
sistema racialista de reserva de vagas foi declarado constitucional e,
portanto, “legitimado”.
A capital fluminense, local onde teve início
essa celeuma envolvendo o sistema, decidiu atropelar os princípios
constitucionais da igualdade, da impessoalidade, do interesse coletivo, do
mérito – e os princípios são,
enquanto valores, o critério com que se aferem os conteúdos constitucionais em
sua dimensão normativa mais elevada, pois são os pilares de toda estrutura
jurídica, que lhe fornecem equilíbrio e força na incessante busca da
irrepreensível aplicação das normas mais simples até as constitucionais.
Em que pese minha modesta discordância sobre o
posicionamento dos doutos ministros, com o devido respeito, a decisão me parece
arriscada na medida em que favorecerá uma enxurrada de políticas voltadas a
promover a segregação: vestibulares, mercado de trabalho, concursos públicos,
eventos de moda... Tudo!
O país está alerta, pois a sagrada
meritocracia está cada vez mais “fora de moda”. Inquieta verificar que o
sistema segregador, baseado no subjetivo critério da autodeclaração de etnia se
sobreponha ao sistema de recompensa baseado no mérito pessoal, segundo o qual
se entende que premiar quem não merece desmerece quem tem
mérito.
Não bastasse tudo isso, há tempos tenho
observado integrantes da militância segregacionista se manifestarem
reiteradamente sobre a vontade de impor o sistema de cotas racialistas como
fator de promoção nos quadros das Forças Armadas.
Imaginemos, como exemplo prático, dois
Oficiais – um branco e o outro negro – que cursaram e concluíram juntos a
Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) e a Academia
Militar das Agulhas Negras (AMAN), ou seja, em total igualdade de
condições. Nesse contexto, o oficial de pele clara, ainda que
infinitamente melhor classificado e enquadrado nos preceitos da carreira
militar, poderá ser preterido pelo colega de pele escura na aspiração ao
generalato, baseado na questão da reparação histórica. Seria justo? O oficial
branco, que nesse exemplo teria se esforçado e permanecido entre os melhores,
deverá ceder a vaga a outra pessoa que possivelmente estivesse classificada no
final de sua turma.
E se o sistema racialista se desenvolver em
maior grau, como vem acontecendo no âmbito da Administração Pública de maneira
em geral, logo serão criadas as cotas para participação em cursos como o
de Estado-Maior e missões no exterior, essas tão ambicionadas.
As instituições
militares têm dado sobejas demonstrações de quão desnecessários são esses
sistemas de cotas, quando observa-se que todos os seus integrantes têm as mesmas
oportunidades, independentemente de cor da pele, classes sociais de origem,
credo, etc. Oficiais negros já ascendem ao generalato e são comissionados no
exterior concorrendo em igualdade de condições com seus pares, graças aos
méritos próprios.
A ciência põe em cheque a tese dos defensores
das cotas quando confrontados com a ausência de critérios. Estudos demonstram
que os seres humanos são todos iguais ou, parafraseando o geneticista Sérgio
Pena, são igualmente diferentes.
“Lideranças” desatinadas e segregacionistas
discordam de argumentos totalmente técnico-científicos para estabelecer
critérios amplamente filosóficos, demagógicos e subjetivos para impor suas
vontades de maneira diversa daquilo que prevê o ordenamento jurídico. Agem de
maneira despótica.
Para a correção de supostas injustiças
históricas, cujas manifestações atuais tiveram somadas às suas origens diversos
componentes de nuanças distintas – não raro, até conflitantes entre si –, não
deve valer a máxima pregada por Maquiavel de que os fins justificam os meios,
pois a verdadeira justiça não sobrevive a isso.
Os estudos técnicos, todos enunciados por
autoridades em Antropologia, História, Sociologia e Genética são incompatíveis
com o “achismo” oportunista que nos é enfiado goela abaixo por parcela da
classe política e alguns representantes de minorias que postulam regalias, sem
compromisso ou proposta efetiva de solução das questões, sempre por meio de
discursos fáceis e falaciosos sobre uma suposta reparação social ou histórica.
Existem leis, regimentos, códigos e princípios
que devem ser necessariamente observados independentemente de vontade – e a
legislação militar, em momento algum, menciona o ingresso, a matrícula ou a
promoção segundo o critério racial.
Nas ações judiciais que patrocinei contra esse
nefasto sistema sempre defendi a tese de que se trata de mera bravata e
demagogia daqueles que se auto-intitulam “representantes das minorias”, pois
não há argumentos que sustentem tal pretensão, razão pela qual impõem seus
devaneios filosóficos e rotulam de racistas todos que se contraponham aos seus
interesses com hostilidade e intimidação.
Segundo um dos especialistas sobre o tema,
doutor Demétrio Magnoli, em todos os países em que o mito da raça foi
ressuscitado, amparado por questões políticas, foram os povos levados a graves
conflitos. Reitere-se, oportunamente, que os defensores desses equivocados
ideais se colocam sempre na posição de vítimas, embora, na sua grande parcela,
sejam integrantes das classes média-alta e alta – verifica-se que a proposta
racialista corrobora que o problema nada tem a ver com integração social,
apenas pretende criar zonas de influência política e eleitoral. Isso acontece
cada vez mais no Brasil, onde falar em nome de uma etnia equivale a desenvolver
uma clientela política representada pela defesa dos interesses de determinado
grupo étnico, jamais da nação. A função, evidente, é produzir lideranças
políticas, carreiras políticas, poder político.
Especialistas alertam quanto ao risco de
fomentar na sociedade a crença de que raças existem, ideia equivocada que
incita o ódio e a segregação. Em todos os países em que as cotas raciais foram
estabelecidas, em pouco tempo, houve a insurgência de graves conflitos civis,
como nos EUA, Ruanda e África do Sul.
A UNESCO já se pronunciou sobre o tema desde
1950 ao afirmar que "menos que um fato biológico, raça é um mito social e,
como tal, tem causado em anos recentes pesados danos em termos de vidas e de
sofrimento humanos". Nós, brasileiros, não vamos considerar o ensinamento
histórico em pleno final de 2012?
A quem interessa gerar instabilidade social e
trucidar a meritocracia? Como esclarecer a orientação científica de que raça
não existe, pois somos todos humanos? Como explicar que estudos totalmente
técnicos, de especialistas em antropologia, história, sociologia e genética de
nada valem se não estiverem compatíveis com o “achismo” da classe política e
dos poucos oportunistas que brigam por regalias, mas sem jamais apontarem uma
solução efetiva para o problema?
Enquanto não surgirem todas as respostas,
continuarei me posicionando contrariamente àquelas ideias que defendem a
promoção pelo critério da cor da pele, sobretudo no âmbito das Forças Armadas,
pois os verdadeiros interesses patrióticos devem ser defendidos pelos melhores
militares, independentemente da sua etnia.
Pouco importa a cor do soldado, desde que
cumpra sua missão!
João
Henrique Nascimento de Freitas é advogado.
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